"Ah e tal, achado não é roubado"
Agarrou a bolsa, certificando-se de que ninguém o observava. Não tencionava ficar ali. Afastou-se a passos largos, apressado pelos olhares imaginários que dardeavam as suas costas. Algumas pessoas chamariam a este medo de ser visto “consciência”. Na realidade, não passava de simples medo de ser apanhado. Não ia calhar bem, com a folhinha de cadastro que já tinha às costas, ser caçado com uma bolsa que não era sua , a correr com cara de culpado na direcção exactamente oposta à da esquadra da polícia. Assim que virou a esquina, o seu coração acalmou. Estava safo, ninguém vinha a correr atrás dele, não se ouviam gritos ao longe. Enquanto andava, abriu a bolsa. Desligou logo o telemóvel que lá encontrou dentro, não fosse o diabo tecê-las e aquilo tocar numa altura menos apropriada
Entrou em casa pé ante pé, tentando ser tão silencioso quanto as tábuas de madeira do chão o permitiam. Passou pela cozinha – vazia. Passou pela sala – vazia. Que sorte, estava sozinho. Desligou o modo “ninja” e entrou no quarto sem preocupações. Foda-se!
- João Paulo Maria, onde é que andaste?!
Já não bastava emboscá-lo ali no quarto, ainda usava os três nomes. Os três nomes anunciavam sempre merda.
- Na escola, onde é que querias que andasse?! – Experimentou, usando do seu ar mais incrédulo, para ver se a mentira pegava.
“Spaaa”. Levou logo um chapadão que lhe deixou marcada a mãozinha pesada da mamã na bochecha. A mentira não tinha pegado.
- Ouve lá, julgas que eu te deixo enganar-me assim? O teu pai consegue porque é como é, mas tu, meu estafermo, a ti conheço-te eu de ginjeira! Esqueces-te que fui eu quem te pôs cá fora?!
- Mããã, não fiz nada! – Ensaiou, pondo uma expressão magoada na cara.
“Spaaa”. A mãe demonstrou-lhe novamente o carinho que as mentiras lhe inspiravam, desta vez com as costas da mão.
- Já te disse, não me mintas! A tua professora ligou-me a dizer que não apareces na escola há dois dias. Que é que andaste a fazer nos últimos dois dias pra não ires à escola?
Não havia uma resposta certa pra esta pergunta.
- Tive por aí com uns amigos – Disse, acompanhando as palavras com um gesto de protecção. Os braços pouparam-lhe a cara a mais dois ou três estalos.
- Por aí?! Por aí?!?! Mas tu és parvo ou quê?! Em vez de ires pra escola a ver se te tornas alguém, ficas por aí feito um vadiozinho qualquer?! Olha que eu ponho-te porta fora, malinhas e tudo, e aí é que vais ver o vadio que te tornas. Dezanove anos e no nono ano. Andas a ver se apanhas o teu primo de cinco anos, é? Tás feito um belo inútil. Para começar ficas de castigo. O resto da tarde vais passá-la aqui. Lá mais pra noite logo vemos como é que tratamos disto.
Tendo despejado a sua raiva, a mãe saiu, batendo com a porta. Voltou quinze segundos depois para a trancar. De castigo… O que um gajo aturava só pra ter comida, cama e roupa lavada… João Paulo, ou Jopa, como os amigos o chamavam, esfregou a cara. Já tinha levado piores. Ao menos, no meio dos gritos, ela nem tinha reparado na bolsa que ele trazia na mão e que rapidamente atirara pra trás da cama. Apanhou-a do meio do um monte de roupa suja que se acumulara entre a cama e a parede, abriu os fechos e sacudiu-a pra cima da cama. Telemóvel, umas chaves de casa, umas fitas azuis claras com um ar meio estranho, e uns quantos cartões. Era quase da mesma idade que ele, o tipo. Tinha ar de betinho, pelo menos a julgar pela fotografia do B.I.. A este tipo não o chateava nada roubar. Roubar não. Levar. A verdade é que nem tinha feito nada de errado. A bolsa tava pra ali atirada em cima do banco do jardim. Da próxima ele que tivesse mais cuidado. No meio dos papeis, um bónus. Dois, na verdade. Vinte euros e um preservativo. Belo saque, este. E fácil. Tinha era que se desfazer do telemóvel bem rapidinho. Por esta altura o otário já devia tar na esquadra a fazer queixa. Não convinha muito que, numa das “buscazinhas corporais” que estava habituado a receber dos policias locais, aparecesse um telemóvel roubado. Abriu a janela, passou para o lado de fora e agarrou-se ao rebordo. Deixou-se cair. O primeiro andar não era propriamente alto. Pôs a bolsa à cintura. Há uns tempos que já andava pra comprar uma cena daquelas, até tinha um certo estilo. Melhor assim. De caminho aproveitou e deitou a papelada toda que vinha na bolsa pró lixo, documentos do paspalho incluídos.
Foi com o seu arzinho gingão que os amigos o viram aparecer no café. Agora toda a gente andava assim, a abanar-se de um lado pró outro. Dava um certo ar de duro. Despachou rapidamente o telemóvel pró Kapê, um palhaço qualquer amigo do Vodkas, e meteu os trinta euros ao bolso. Tinha mais que fazer do que tar ali a queimar tempo. Bem, na verdade não tinha, mas também não lhe apetecia ficar ali no meio daquela malta. Foi pró Colombo. Ver umas lojas até parecia boa ideia, agora que tinha cinquenta euros no bolso. Meteu-se no autocarro. Duas paragens depois de ter entrado, entrou uma tipa óptima, de saiinha curta aos quadrados, ar de menina de escolinha privada. Passou por ele sem sequer olhar. “Deves ter a mania, putinha!”, pensou, olhando-a com um esgar de desprezo. Decidiu que a ia chatear um bocado, só pra não se armar em parva. Foi-se sentar no banco ao lado do dela, apenas com o corredor entre os dois. Virou-se pra ela e começou a olhá-la fixamente. Via-se que tava incomodada. Disfarçava, olhava pra janela, mas aquela cara de quem lhe cheirava a merda dizia tudo. Ficou naquilo uns bons dez minutos, enquanto não chegava ao destino. Era divertido ver as “meninas” borradas de medo. Ao sair do autocarro, mandou-lhe um beijinho. Ela mandou-o pra um sitio bonito com o dedo médio. Ainda tava a umas centenas de metros do centro comercial. Fazia o caminho cheio de estilo. Nem reparou no carro que o seguia devagar. Nem ouviu o estalo bem alto que a porta do carro fez ao abrir-se, tão concentrado que ia na pose de macho. Ia bem distraído. Azar…
Antes sequer de se aperceber do que lhe estava a acontecer, já estava no chão. Tinha levado um pontapé algo violento na parte de trás do joelho, o que o deixou… de joelhos. A orelha direita e área circundante foram as vítimas seguintes, alvos de outro pontapé, menos forte, mas suficientemente bem colocado pra lhe deixar a cabeça a tinir. Caiu de lado. Quando olhou pra cima tava um otário a olhar pra ele com um ar raivoso, quase a espumar da boca.
- Selvagenzinho de merda, julgavas que não dava contigo, era? Granda galo! Põe-te mas é de pé, vá!
Não fazia a mínima ideia de quem era o tipo, nunca o tinha visto mais gordo. De qualquer forma, não ia ficar ali deitado no chão enquanto o cabrão o enchia de porrada. Levantou-se, a custo, visto que a perna esquerda tinha perdido uma boa parte da funcionalidade. Mal se tinha posto direito, ou pelo menos, o mais próximo de direito que conseguia, já tinha levado uma pancada seca nos tomates. Agoniado, já pra não falar de bem dolorido, agarrou-se às partes. Inclinou-se apenas o suficiente para sentir um joelho a esmagar-lhe a cana do nariz e levar uns quantos dentes pelo caminho. Foi outra vez parar ao chão, desta vez não tão certo de se conseguir tornar a levantar. Sentiu o tipo aproximar-se. Primeiro, tirou-lhe a bolsa da cintura, abrindo-a. Não pareceu muito satisfeito. Revistou-o, tirou-lhe o dinheiro do bolso direito, as chaves de casa e o telemóvel do esquerdo, a carteira do bolso de trás. Examinou os ganhos por uns momentos.
- Puto, sei onde é que moras, tenho as tuas chaves de casa e o teu telemóvel. Amanhã vou estar à tua porta, e tu vais ter o meu telemóvel e os meus documentos todos prontinhos pra me dar. A opção é uma sova bem maior que esta e uma visitinha à esquadra. Tu decides.
Meteu-se no carro e foi-se embora. João Paulo ali ficou, com a cara e outras partes do corpo feitas em papa, a considerar se uma carreira como engenheiro ou advogado não seria uma boa alternativa à carreira de criminoso.
Em honra do espanholito que agora se passeia com a minha carteira e o meu telemóvel pelas ruas de Albacete.
8 Comentários:
eles andem ai...
Por Éclairer, Às 18:51
Muito mais do que vá, é o Selvagenzinho... E as aulas de Judo... Bom, não vamos falar disso.
Amigo, quando for assim, chama-me... Fazemos a folha ao tipo.. Nas calmas! Sabes bem que tou aqui para o que der e vier.
Há por ai muitos João Paulos que têm de levar uma ou outra esfrega..
Mas vamos ao que interessa. Bom texto! Acho que é o maior que tenho paciencia para ler. Ler no PC não é o meu forte.. Sorry! Mas enfim... Vou-me esforçar!
Toma lá um abraço e deixa de te meter com as minhas amigas bloguistas!
LLLLooooLLLL
Hasta la Pasta!
Por Nuno Geraldes Barba, Às 03:13
1º comando da puta q te pariu
2 minutos ctg e partia te qq coisa. N era o cú, eram as trombas ;) és mto grande mas é à distância. vem cá q eu conto te uma história.
Por Anónimo, Às 20:04
anonimos lisboetas... sempre os mesmos cabalinhos=)
Por Koala, Às 21:07
so tenho 1 palavra para si: ADORO-TE!
Por Martha, Às 00:54
obrigado pelo link. O teu blog tá com um look muito fixe. A Kudakrekas foi-se desta vida de blog? boas férias.
Por Anónimo, Às 18:47
albacete? puto, lembrei-me da pergunta da minha vida: então como é estas férias? tens aqui um bilhete de autocarro para a amadora, e lá na marina há um barco do tio Kim, que vai para st. trop.. Qual preferes?
Por lorenzetti, Às 23:39
nao li
Por Joana Gama, Às 00:02
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