Um mais um igual a três

quarta-feira, abril 19, 2006

O gordinho - parte 1

Até aquele dia, a vida de Alberto fora igual a tantas outras, normal. Na verdade, abaixo normal. Com menos cabelo que normal, de estatura inferior à do comum dos homens, a única coisa que Carlos tinha em grande quantidade era área corporal. A sua forma (redondinho) exercia um certo peso na sua vida sentimental – arrastava-a para baixo. Alberto até era queridinho, educadinho, um bom rapazinho. E já nem vivia com a mãe! Aproveitara o seu último aumento no banco – onde até tinha considerável sucesso, graças ao seu jeitinho para as contas, aprimorado durante os anos em que gerira o orçamento familiar – para se mudar para um pequeno mas confortável apartamento num bairrito simpático no centro da cidade. Decorara o espaço com um surpreendente bom gosto, considerando que nunca se destacara pela elegância ou primor estético.
Aos trinta anos ainda não tinha tido uma única relação séria. Alguns dos seus colegas desconfiavam da sua sexualidade, outros havia que pensavam que era virgem. Todos eles pensavam que ele ainda vivia com a mãe. Claro, Alberto já tinha estado com mulheres. Perdera a virgindade aos vinte e três anos, de uma forma anormalmente desajeitada. Apesar de ter consciência de que a maior parte das primeiras vezes não corria bem e quase nunca “correspondia às expectativas” (Alberto lia muitas revistas, e, na teoria, até sabia mais ou menos como é que as mulheres funcionavam), nunca se preparara para aquele desastre. Pelos vistos, Graça também não. Naquela noite, ao fim de dois meses de namoro, depois de toda a ginástica no banco detrás do seu Dois Cavalos, ela parecia imensamente triste. Ia jurar que, ao despedir-se da porta da sua casa, Graça deixara cair uma lágrima. Ficou destroçado. Nunca mais a viu. Não tinham sido feitos um para o outro. Alberto parecia mesmo não ter sido feito para ninguém. Era como uma peça de puzzle que não encaixava. De certa forma, Carlos não pertencia a puzzle nenhum. Não pertencia sequer ao universo dos jogos de tabuleiro… Era diferente dos outros homens, e talvez por isso ainda estivesse sozinho.
Era tímido, mas atencioso. Era simpático, mas ainda corava quando uma rapariga olhava para ele. Gostava de crianças e as crianças gostavam dele. Era um bom filho, fora um bom neto, e só não tinha sido um óptimo irmão porque o pai tinha fugido com uma “bailarina exótica” pouco tempo depois de Alberto ter dado os primeiros passos, deixando a mulher desamparada. Talvez este facto explicasse a admiração que Alberto tinha pelas mulheres. Explicava certamente a sua esmerada educação, adquirida pela convivência diária quase exclusiva com a Ester, sua mãe, e Dona Laura, a sua avó. Com elas aprendera a ser um homenzinho. Sempre fora uma criança dócil. Tornara-se um adolescente gentil. Crescera para ser um bom homem. Preocupava-se. Preocupava-se com o mundo, com as pessoas à sua volta, com todos aqueles com quem se cruzava. Com a velhota que vivia no andar de baixo, com o Sr. Horácio da farmácia, com aquela rapariga com quem chocara no passeio, com o porteiro do escritório e até mesmo com o cliente do outro lado do telefone. Era uma pessoa genuinamente boa. Não era um génio, mas sabia manter uma conversa. Frequentava cursos de cozinha e aprendera Italiano. Experimentara até a pintura durante algum tempo – o suficiente para se relembrar do porquê das suas notas a desenho. Todas as semanas comprava um novo produto milagroso para fazer crescer cabelo (aprendera com o exemplo do seu avô que um capachinho não era uma opção válida) e começara a frequentar um ginásio, embora os resultados tardassem a aparecer. No entanto continuava gordinho. E careca. E na balança do sexo oposto, a sua aparência física pesava uma tonelada, ao passo que as suas inegáveis qualidades como pessoa não pareciam pesar mais que uns quantos gramas.
Por isso, estava habituado a receber aquele sinal, o que mostra que, dê por onde der, uma rapariga não está interessada num rapaz. Alberto estava habituado a ver, estampado na cara das raparigas, aquele sorriso amarelo que todas elas conheciam e pareciam ter guardado para ele. Mostravam-no quando lhes dava passagem no elevador. Mostravam-no quando se apresentava num qualquer bar. Mostravam-no até quando o atendiam numa loja. Era um sorriso que nem chegava a ser sorriso, como se fossem sorrir mas, de repente, notassem que Alberto tinha qualquer coisa de incomodativo, como se um qualquer mau cheiro as estivesse a incomodar. Alberto percebia até que elas não quisessem viver felizes para sempre com ele. Mas aquele esgar de desagrado, disfarçado de gentileza, era um pontapé no seu ego que o atirava para fossos cada vez mais fundos. De vez em quando pensava em desistir, voltar para casa da mãe, cuidar dela. Ou talvez fugir para outro país, para um sítio onde desconhecesse a língua e pudesse perder-se, talvez a pastar um rebanho. Mas por cada vez que estes pensamentos lhe passavam pela cabeça, outro vinha afastá-los, a ideia de que algures por aí andava uma rapariga que não conhecesse aquele sorriso amarelo-assassino-de-esperanças, que gostasse dele e o deixasse fazê-la feliz. Porque mais que tudo, Alberto queria fazer alguém feliz. Mas as mulheres à sua volta não pareciam ligar à felicidade. Era estranho, mas o desdém, a mentira e a traição pareciam funcionar como um afrodisíaco. Não procuravam felicidade, procuravam uma parede para bater com a cabeça. E não queriam uma parede qualquer. Queriam uma parede bonita, com um belo bronzeado, atlética e com dinheiro para gastar. Não tendo nenhuma destas coisas, Alberto passava invariavelmente as suas noites sozinho, deitado na cama a olhar para o tecto, à espera do dia seguinte que prometia mudar a sua vida.

6 Comentários:

  • ora ai esta uma bela alusao a situações que nos passam ao lado. um texto bem conseguido...
    perdi-me um bocado fora no trocadilho de nomes no inicio Alberto vs Carlos :)

    Por Blogger Koala, Às 18:09  

  • O meu Padrinho :)
    Querido padrinho:
    gostei de saber que te andas a aplicar na escrita até porque me revelaste algo que eu não sabia:que escreves tão bem!
    quero deixar aqui 'abraçinho' e um 'good luck' para este teu blog :) que te apaixones tanto pelo teu como eu me apaixonei pelo meu! Um pequeno refúgio ;)
    um grande beijo
    Martinha

    Por Blogger Martha, Às 20:41  

  • ja conhecia a vida deste pequeno alberto...mas volta a ser tão envolvente como da primeira vez que o conheci..:)Continua..tou a gostar!

    Por Anonymous Anónimo, Às 02:56  

  • Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

    Por Anonymous Anónimo, Às 18:11  

  • What a great site »

    Por Anonymous Anónimo, Às 18:02  

  • That's a great story. Waiting for more. » »

    Por Anonymous Anónimo, Às 19:04  

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